(escrito por Camila Santos)
Antes de começar quero deixar claro que este texto não pretende ser um artigo científico, e sim um texto de divulgação geológica para a sociedade, seus dados são baseados em explicações de museus, cartazes didáticos e alguns textos científicos, encontrados no decorrer da viagem, uma síntese do que se pode aprender sobre o passado geológico da Patagônia a partir das informações de fácil acesso para pessoas que não são da área das geociências. Aproveito também para indicar lugares interessantes para conhecer nessa linda área do Planeta (clicando nas palavras destacadas, te leva a álbuns de fotos no facebook).
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Parque Monte Leon, Província Santa Cruz |
A região da Patagônia tem uma longa história, revelada a partir de suas pedras. Nós passamos um longo inverno em suas estradas, cidades e natureza, onde pudemos aprender através de suas rochas, parques e museus sobre seu passado geológico.
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Em vermelho a Patagonia que visitamos |
Para descrever a Patagônia de hoje em dia, podemos dividi-la em duas partes: Estepe e região da Cordilheira dos Andes. A Estepe é característica por ser um quase deserto, com vegetação de pasto e arbustos espinhosos, ventos fortes de até 100 km/h vindos do Pacífico, solo pobre, geologicamente conhecida por seus fósseis de dinossauros, alem de rochas vulcânicas, crateras de vulcões antigos, chapadas de basalto, bosques petrificados, fósseis nas formações da Costa Atlântica e muitas mineralizações de ouro, entre outros metais. A região da Cordilheira dos Andes é identificada por suas lindas montanhas, com picos agudos e nevados, geleiras, lagos com cores lindas, bosques com árvores de grande porte e geologicamente por suas rochas deformadas, dobras e intrusões magmáticas.
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Vista da região de El Calafate, lago Argentino, Província Santa Cruz |
Para contextualizar, o planeta Terra possui aproximadamente 4500 milhões de anos. Os registros mais antigos dessa região nos levam a Era Paleozoica Superior (Período Carbonífero e Permiano, entre 400 e 250 Milhões de anos), essa região era uma faixa de rochas que estavam se metamorfizando e rochas que estavam intrudindo (rochas ígneas). Foram encontradas, principalmente, na região norte e noroeste da Patagônia, como podemos ver na foto do mapa abaixo. Esse mapa estava exposto no Museu de Pedras Patagônicas, em El Bolsón, junto ao mapa haviam muitas amostras representativas.
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Museu de Pedras Patagônicas, El Bolson |
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Museu de Pedras Patagônicas, El Bolson |
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Os registros seguem para o Período Triássico (entre 250 e 200 milhões de anos), é o começo da Era Mesozoica, marcado pelo surgimento dos primeiros dinossauros, árvores como araucárias, e muitos amonites nos oceanos. Nos Museus de Paleontologia de Trelew e de El Chocon podemos observar fósseis de amonites dessa época.
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Amonites, Museu de Paleontologia em Trelew |
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Amonites, Museu de Paleontologia em El Chocon |
É a partir do Período de anos entre 200 e 145 milhões de anos, conhecido como Jurássico (meio da Era Mesozoica), que os registros preservados atualmente começam a ser mais abundantes. Os continentes estavam com uma disposição bem diferente da atual, essa região fazia parte do sul do imenso Continente Gondwana.
A Cordilheira dos Andes ainda não existia, e devido ao ar úmido do Pacífico a vegetação era muito mais exuberante, com bosques de árvores altas, samambaias do tamanho de palmeiras, entre outras plantas. Junto a essa vegetação estava havendo uma intensa evolução de espécies. Os dinossauros dominavam terra, água e céu. Apareceram as formas gigantes. Há uma bela reconstituição da paisagem dessa época no Museu de Paleontologia em Trelew.
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Museu de Paleontologia em Trelew |
Havia intensa atividade vulcânica explosiva, com cinzas, muitos gases, fragmentos de lava e de rochas que eram jogados na atmosfera e depois recobriam o antigo relevo. Essa atividade estava anunciando o começo da ruptura das massas continentais, hoje conhecidas como América do Sul e África. Essas rochas vulcânicas são observadas em grande parte da Patagônia, sendo um bom exemplo o Maciço del Deseado, onde predomina rocha ignimbrítica. Um belo afloramento delas é na Cueva de las Manos, mas conhecida por sua importância como Patrimônio da UNESCO por suas pinturas rupestres (mais abaixo há mais informações sobre ela).
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Ignimbrito em Cueva de las Manos, Província Santa Cruz |
Essas rochas depois de estarem consolidadas também passaram por ação de fluídos que tinham elementos químicos diferentes das rochas, que geraram diversas mineralizações, como de: ouro, prata, fluorita, sulfetos, entre outras. Algum dos lugares onde se pode observar isso, é na região de Sierra Grande (local de antigo centro vulcânico), conhecido por ter a maior mina de ferro subterrânea da Argentina e por ter mineralizações de fluorita, ou na região de Governador Gregores, cidade movida pela mineração de ouro.
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Visão de Sierra Grande, Província Rio Negro |
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Fluorita na mina Delta XXI, Sierra Grande |
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Mapa de depósitos metálicos da Província Santa Cruz |
Esse sedimento vulcânico conforme ia se acumulando e transformando em rocha, gerava um peso que provocou afundamento dessa área, fazendo com que entrasse água do Pacífico e depositasse sedimentos. Outro fator que ajudou para isso, foi um aumento da temperatura global que gerou derretimento de geleiras que aumentaram o nível do mar.
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Rochas vulcânicas, Província Santa Cruz |
O período Jurássico foi seguido pelo período Cretácico (entre 145 e 65 milhões anos). Nesse período continuou a separação das massas continentais. O clima continuava tropical na Patagônia, com muitas lagoas e vegetação exuberante, possibilitando ser a época com mais tipos de dinossauros. Os principais achados fossilíferos na Patagônia são dessa época, como é o caso do Gigantosaurus, maior dinossauro carnívoro do Mundo (descoberto em El Chocon, onde pudemos visitar um sítio com pegadas e o museu de paleontologia), com idade de 9,5 Milhões de anos.
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Museu de Paleontologia em Trelew |
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Pegadas em El Chocon |
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Gigantosauros, Museu de Paleontologia em El Chocon |
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Amargasaurus, Museu de Paleontologia em El Chocon |
Os continentes começaram a ter a forma atual.
A Era Mesozoica foi seguida para Era Cenozoica (período compreendido entre 65 Milhões de anos atrás até hoje em dia). O Cenozoico pode ser dividido em 2 períodos, o Terciário (período entre 65 e 1,5 Milhões de anos) e o Quaternário (de 1,5 Milhões de anos até o presente).
O Terciário foi um período na Patagônia marcado pelo ingresso do mar no continente, importante por seu registro fossilífero e pela formação de depósitos de Petróleo e Carvão.
Há 65 milhões de anos começou a se levantar a Cordilheira dos Andes, devido a colisão das placas tectônicas Nazca (oceânica) e Sul americana (continental). A cordilheira serviu de barreira para os ventos úmidos do Pacífico, mudando completamente o clima da Patagônia, deixando o parecido com o atual. Os dinossauros começaram a entrar em extinção (combinação de diversos fatores, como intensa atividade vulcânica global e impactos de meteoritos) e os mamíferos passaram a se diversificar e espalhar, junto as aves e insetos polinizadores.
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Sede do Parque Nacional Los Glaciares em El Chalten |
Os registros na Patagônia desse período nos levam a um lugar muito didático, o Parque Paleontológico Bryn Gwyn em Gaiman, onde a partir de uma trilha podemos observar um série de acontecimentos datados desde 40 Milhões de anos até o presente.
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Entrada do Parque Paleontológico Bryn Gwyn em Gaiman |
No Período entre 40 e 18 Milhões a paisagem parecia uma savana africana, estava habitada por distintos mamíferos (em extinção hoje em dia) e répteis. Havia grande espessura de cinza vulcânica.
Ao mesmo tempo ia se depositando sedimentos responsáveis pelos jazimentos de Petróleo, encontrados em toda a Patagônia.A maior concentração de petróleo do país foi descoberta pela primeira vez em 1907, em Comodoro Rivadavía, sendo hoje em dia uma das zonas mais produtivas, junto a bacia Neuquina (importante também devido a suas descobertas de fósseis de dinossauros).
Já no período perto de 18 Milhões de anos houve uma grande ingressão do mar Atlântico, chegando até a Cordilheira dos Andes. Esse evento transformou a paisagem por anos e a partir dos fósseis datados dessa época sabemos que viviam nesse mar vários tipos de tubarões, pinguins, baleias, golfinhos, entre outros.
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Fóssil de Golfinho em Parque Paleontológico de Gaiman |
Nesse mesmo período estavam se formando grandes intrusões de magma profundas no meio dos sedimentos da Cordilheira dos Andes, que depois de milhares de anos (há ~6 milhões de anos atrás) viriam a ser expostas e dariam a origem, por exemplo, a Montanha Fitz Roy, em El Chalten. Um bom lugar para aprender sobre geologia na Patagônia é a sede do Parque Nacional de Los Glaciares em El Chalten.
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Cerro Fitz Roy em El Chalten |
Já no período entre 14 e 10 Milhões de anos, o mar começou a retroceder, mudando assim os animais que ficariam registrados nos fósseis encontrados hoje em dia. Um ótimo lugar para estudar esses fósseis é na região de Puerto Madryn e na Península Valdez, onde podemos encontrar fósseis de ostras, bivalves, crustáceos, moluscos e peixes.
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Visão de Puerto Pyramides |
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Fósseis marinhos em Puerto Pyramides |
Há 2 milhões de anos a Patagônia passou por outro evento que ficou bem registrado em suas rochas, um intenso vulcanismo basáltico. Pudemos observar essas rochas vulcânicas na Laguna Azul, perto de Rio Gallegos, onde uma antiga cratera de vulcão se tornou um lago de cor azul. A rocha observada nesse ponto foi um basalto com vesículas e amígdalas.
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Panorâmica de Laguna Azul na Província de Santa Cruz |
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Basalto Laguna Azul |
O Basalto também é a rocha que constitui as “mesetas”/chapadas vista ao longo de toda a Patagônia. E pesquisando na internet sobre a idade dessa rocha, li um trabalho muito interessante que conta a importância dessas chapadas como fonte de água, devido ao basalto ser uma rocha relativamente porosa, a água infiltra nele e fica armazenada (link do artigo).
No Período Quaternário (1,5 Milhões de anos até o presente), a Patagônia e o Planeta foram marcados por diversas glaciações. O gelo cobriu mais de 25% da superfície terrestre, sendo uma dessas áreas a região do Parque Nacional dos Glaciares. Essas grandes massas de gelo (geleiras) em movimento possuem ação erosiva, escavando, transportando material, desgastando e quebrando rochas, elas se encarregaram de modelar o relevo da época, deixando praticamente como podemos ver no presente.
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Geleira Perito Moreno, em El Calafate |
Ainda é possível ver geleiras preservadas, como é o caso da geleira Perito Moreno, um dos pontos mais turísticos da Argentina.
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Geleira Perito Moreno |
Em Calafate, há um museu que se chama Glaciarum, lá pudemos aprender mais sobre tudo que se relaciona a gelo e glaciações. Uma geleira se forma a partir da acumulação de neve, a medida que essa neve se deposita e compacta, ela se converte em gelo. A geleira é dividida em duas zonas, a de acumulação e a de ablação. A primeira se localiza nos setores altos e mais frios da geleira, enquanto a segunda fica na parte mais baixa. Na primeira ocorre a precipitação e acumulação de neve, enquanto que na segunda ocorre fusão, evaporação, sublimação e desprendimento de gelo e neve, o que produz a perda de massa de uma geleira.
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Diferentes formas de neve, Glaciarum |
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Glaciarum, El Calafate |
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Glaciarum, El Calafate |
Uma das paisagens mais impressionantes e esculpidas por geleiras é o Vale do Rio das Curvas, em El Chalten e o Vale do Rio Pinturas, perto de Bajo Caracoles.
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Rio das Curvas em El Chalten |
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Rio Pinturas, Província Santa Cruz |
Outra feição marcante da Patagônia, formada nessa época, são as depressões escavadas por geleiras e que hoje em dia são belos lagos ao lado da Cordilheira. Um dos lagos mais importantes na Patagônia é o Lago Buenos Aires, ele possui uma superfície de 2240 km² e ao seu redor ficaram preservadas um sistema de grandes acumulações de fragmentos rochosos formadas pelo avanço das geleiras (morenas) em forma de arcos concêntricos. O estudo desses arcos permitiu reconstruir a história das glaciações nesse Período, e por isso esse lago tem grande importância mundial.
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Lago Buenos Aires em Los Antiguos |
Outros lagos belos nessa região são: Lago Puelo, Lago Epuyen, Lago Argentino, Lagoa Torres, etc.
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Lago Torres em El Chalten |
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Lago Puelo |
E para finalizar esse importante relato do passado geológico da Patagônia, devemos lembrar da chegada do ser humano nessas terras, que segundo os registros levam ao período de tempo entre 12.000 anos e 15.000 anos para o Continente Sul Americano. Na Patagônia há diversos sítios arqueológicos, sendo um dos mais importantes a “Cueva de las Manos”, perto do povoado Bajo Caracoles, na rodovia 40. Esse sítio se localiza no Vale do Rio Pinturas, em uma caverna no meio das rochas vulcânicas do Jurássico (ignimbritas). A caverna se formou a partir de uma falha na rocha, que permitiu a circulação de água, causando assim a erosão e o aumento do buraco, sendo um abrigo perfeito para os povos daquela época.
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Cueva de las Manos, Província Santa Cruz |
As pinturas datam uma idade entre 9300 e 1300 anos atrás, logo depois da última glaciação. Graças a esse incrível registro humano esse local foi considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1999.
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Pintura Cueva de las Manos |
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Representação pré-histórica no Museu de Paleontologia de Trelew |
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Localização de alguns sítios arqueológicos na sede do Parque Los Glaciares em El Chalten |
A paisagem da Patagônia está em continua transformação, sendo acelerada pela ocupação de terras, exploração dos recursos naturais, como petróleo e outros minerais, construção de hidrelétricas, criação de animais como ovelha, turismo, entre outros fatores em que o ser humano é o principal protagonista.
Abaixo mapa dos lugares citados no texto.
Muito obrigada a todos que chegaram até o final do texto! Estou aberta a qualquer sugestão, correção e comentários!!!
3 comentarios:
Parabéns pelo trabalho,meu nome é Filipe, sou estudante de Geologia e admiro todo seu percurso e conhecimento adquirido,parabéns!!
Muito Bacana! Já sonhando em conhecer a patagonia!
Texto esclarecedor. Parabéns
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