(escrito por Camila Santos)
Como de costume as
estradas nos levaram mais uma vez para um lugar interessante, onde
pudemos ver e aprender como a geologia aqui se inter-relaciona com história, economia, política, Direitos Humanos e das Crianças.
Entrada da Mina |
Bem ao centro do
comprido país de Chile, está a cidade de Lota, na região VIII
(Bio-Bio), ao lado de Concepción, segunda maior cidade chilena. Lota
foi uma das cidades mais importantes para Chile, hoje em dia se vê
apenas um povoado humilde com construções antigas e pessoas com
muitas histórias para contar. É nesse lugar que por mais de um
século e meio foi explorado o carvão mineral. Também foi a
primeira cidade do país a ter energia hidroelétrica própria, telefone e
água potável.
Num dos túneis da antiga mina |
Segundo o livro
“Decifrando a Terra” o carvão é uma rocha sedimentar
combustível, formada a partir do soterramento e compactação de uma
massa vegetal em ambiente anaeróbico (sem oxigênio), em bacias
originalmente pouco profundas, a medida que a matéria orgânica é
soterrada, inicia-se o processo de sua transformação em carvão,
devido principalmente ao aumento de temperatura e pressão. Os
elementos voláteis e a água presentes na matéria orgânica, são
expelidos gerando concomitantemente, uma concentração relativa de
carbono cada vez maior. A principal matéria-prima do carvão é a
celulose.
Amostra de carvão |
As principais reservas de carvão do Mundo estão na Rússia
e EUA. Brasil, por exemplo, tem menos de 0,1% na Bacia do Paraná.
Gráfico de reserva de carvão no Mundo |
A região em que
visitamos é uma das principais reservas de carvão do Chile, junto a região de Valdívia e Magalhães. Sua
exploração ocorreu desde o começo do séc XIX até o ano de 1997, quando o governo diz que os custos de produção saiam mais caros do que importação, essa explicação é controvérsia segundo os habitantes da cidade, que afirmam que tinham outras questões políticas por trás.
Reservas de carvão da região VIII no Chile |
Segundo a publicação “Estudio sobre la cuestion carbonera en
Chile” o carvão de Chile pertence ao Terciário, formado
discordantemente sobre rochas do Cretáceo Superior a leste da Cordilheira Nahuelhuta. Uma particularidade importante na bacia de
Lota é a camada de xisto com 30 metros de espessura entre o fundo do
mar e a camada de arenito acima do carvão, o que reduz a infiltração
de água do mar nas minas.
Perfil do depósito de carvão da mina Lota |
Entre as inúmeras
minas que existiram, uma em especial criou fama, devido ao escritor
Baldomero Lillo, habitante local que em seus contos mostrou a
realidade da mina e dos trabalhadores. Essa mina se destacava pelas
péssimas condições de trabalho e pela falta de tecnologia em
relação a outras, por isso deram encerrado seu funcionamento em
1976, antes das outras. Era um verdadeiro garimpo. Conhecida como
“Chiflón del Diablo” seu nome verdadeiro era Chiflón Carlos,
hoje em dia transformada e adaptada para visitação turística pela
empresa Lota Sorprendente.
Entrada na mina subterranea |
O trabalho era todo
manual, diferentemente das minas vizinhas que tinham equipamentos
para escavar o carvão. O horário de começo de trabalho, para os
patrões, era quando escutavam a primeira martelada no carvão, dai
em diante os trabalhadores tinham mais 12 horas de labuta, porém o
pequeno detalhe é que da casa até o salão na mina em que
trabalhavam podiam levar até uma hora para chegar, o que agregaria
mais 2 horas na jornada de trabalho desse mineiros. Trabalhavam
ajoelhados, com um chapéu de palha como capacete, usando apenas um
pedaço de pano para secar o suor e proteger seus narizes quando
necessário (“fallaman”), sem luvas, sem óculos de proteção,
sem direitos. Suas vidas úteis eram de 30 anos, isso se a artrite,
silicose e/ou desnutrição os deixassem. Os pagamentos eram em
fichas e só podiam gastá-las no mercadinho da vila, que
coincidentemente era dos donos da mina (muito parecido com a
exploração da borracha na Amazônia), esse pagamento não era
suficiente para quase nada, assim que por falta de dinheiro obrigavam
os filhos a trabalhar desde cedo.
Foto das condições de trabalho dos mineiros |
Aos 6 anos, um menino já podia
começar a trabalhar na mina, suas tarefas variavam desde abrir
comportas para que passassem os cavalos que carregavam o carvão,
limpar o latão que servia de banheiro ou avisar quando o papagaio da
gaiola se virava de costas, isso significava que havia escape de gás
natural, conhecido como “grisu”, que gerou muitas explosões e
mortes. Como o escritor Baldomero cita em seu livro Subterra: “como
filho de mineiros, seu ofício será o mesmo dos seus antecessores,
que não tiveram nunca outra escola a não ser a mina” e “os
pequeninhos respirando o ar empoeirado da mina cresciam raquíticos,
fracos, pálidos, porém havia que resignar-se, pois para isso
nasciam”.
Aqui ficavam meninos amarrados para não fugir, abrindo e fechando a comporta e avisando sobre o papagaio da gaiola |
As mulheres não
escapavam do trabalho, ficavam do lado de fora da mina, esperando o
carvão chegar para poder começar a limpá-lo. Nasciam para isso e
para “fazer” filhos, futuros mineiros.
Transporte de carvão |
Os donos dessa mina era
a família Cousiño, que vivia em um verdadeiro palácio na cidade de
Lota. Eram tão poderosos e ricos, que na Guerra do Pacífico
(1879-1883) emprestaram barcos para o governo. O carvão nesse
momento era indispensável, utilizado nos barcos de guerra,
fundições, indústria têxtil, ferrovias, transporte, etc. Eles
trouxeram a primeira central termoelétrica à região em 1897. Para
eles só importava o carvão, assim como diz no livro de Baldomero em
relação aos mineiros para os patrões: “cujas vidas tem menos
valor para seus exploradores que um pedaço de carvão”.
Antiga entrada do Palácio da família Cousiño, hoje em dia transformado em Parque |
Nossa visita durou 2 horas, fomos acompanhados pelos guias Pedro e Piero, que no passado trabalhavam em outras minas de carvão da região. Eles nos mostraram como era o povoado, nos contaram as histórias do lugar, nos levaram a conhecer a mina, para qual deve descer 25 m em um “elevador” bem artesanal, nos mostraram o carvão, nos ensinaram sobre tudo o que está escrito nesse texto. Pessoas que ficaram desempregadas com o fechamento das minas e tiveram que encontrar uma alternativa para trabalhar.
Elevador para descer a mina |
Graças a geologia, ao
estudo das rochas, podemos descobrir as riquezas do solo e subsolo de
uma área, que junto a outros fatores determinam a potência de um
país, porém não devemos esquecer que a exploração dessa riqueza
pode vir acompanhada de muitas consequências, como a exploração
dos trabalhadores, a violação de Direitos Humanos e algumas vezes
Direitos das Crianças, o impacto ambiental, o impacto social, a
dependência econômica que gera nos povoados, o enriquecimento de
alguns poucos a custa do esforço de muitos, entre outros. Lota e
região ao redor chegaram a ser um dos setores mais importantes para
o país, porém com o encerramento das atividades das minas deixaram
milhares de trabalhadores desempregados e sem rumo, eram pessoas que
nasciam e viviam para trabalhar com o carvão. Hoje em dia é uma
região muito humilde, onde sua riqueza foi abandonada e esquecida.
Carta das crianças da cidade para o escritor Baldomero |
Encerro agradecendo a empresa “Lota Sorpendente” por nos receberem e permitirem a visita nesse lugar e ao nosso amigo Brian que nos trouxe até aqui.
Para saber mais sobre o tema recomendo:
- livro e
filme “Subterra”,
ambos disponíveis na internet.
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